Muito antes da existência dos computadores e da eletricidade, a humanidade já imaginava máquinas com capacidades humanas. Um dos exemplos mais antigos e fascinantes disso aparece na mitologia grega, especialmente na obra de Homero, datada de cerca de 700 a.C. No épico, o deus ferreiro Hefesto é retratado criando servidoras artificiais de ouro — criaturas que se movem, pensam, falam e trabalham como seres humanos.
“O enorme deus Hefesto levantou-se do bloco de bigorna com a respiração ofegante… Imediatamente, foi ajudado por servas feitas de ouro… dotadas de mentes, corações inteligentes, cordas vocais e força.”
Homero, Ilíada
Essas servas não eram apenas ferramentas: tinham comportamento autônomo e inteligência funcional — conceitos que hoje associamos ao que chamamos de inteligência artificial.
Talos: o primeiro robô da história?
Outro exemplo mitológico notável é o de Talos, um gigantesco autômato de bronze, também criado por Hefesto.
Ele patrulhava a ilha de Creta, protegendo-a de invasores ao longo de sua costa, que percorria três vezes por dia — o equivalente a 400 km/h!
Essa criatura combina dois elementos essenciais que ainda ecoam nas discussões sobre IA:
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Natureza mecânica e projetada: feita de metal e programada para proteger.
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Semelhança com humanos: tomada de decisão, percepção do ambiente e comportamento proativo.
Máquinas com alma? A dualidade do artificial
O que torna essas histórias especialmente intrigantes — e relevantes para o debate contemporâneo sobre inteligência artificial — é sua dualidade. Tais criaturas:
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São construídas como ferramentas (feitas com materiais e propósitos definidos);
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Mas se comportam como seres autônomos, com inteligência e agência própria.
Essa ideia de “vida feita, não nascida” é destacada pela pesquisadora Adrienne Mayor (2018), que usa o termo “biotechne” para descrever a interseção entre tecnologia e vida nos mitos antigos.
Para Mayor, essas narrativas revelam um fascínio antigo por criar seres artificiais que ultrapassam os limites da ferramenta tradicional — um interesse que persiste até hoje.
IA moderna: herdeira da biotechne?
Embora não tenhamos deuses forjando autômatos com martelos mágicos, temos engenheiros, designers e programadores criando sistemas que imitam decisões humanas.
As tecnologias de IA atuais, como chatbots, assistentes virtuais e sistemas de recomendação, operam em ambientes reais com autonomia crescente.
Exemplo prático:
Imagine ligar para uma empresa para registrar uma reclamação. O primeiro contato pode ser com um chatbot que:
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Identifica o motivo do seu contato;
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Redireciona sua solicitação para o departamento adequado;
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Executa tarefas simples, economizando tempo humano para questões mais complexas.
Essa automatização, ainda que limitada, reflete a lógica da divisão de tarefas entre humanos e autômatos — uma ideia com mais de dois mil anos.
Ainda estamos no começo
Apesar dos avanços impressionantes, a IA moderna está longe da sofisticação mitológica dos automatos de Hefesto.
Muitas vezes, os sistemas cometem erros banais — um chatbot pode, por exemplo, transferir sua ligação para o setor errado, gerando frustração ao invés de solução.
Isso mostra que, embora promissora, a tecnologia ainda enfrenta desafios técnicos e humanos importantes.